not your honey pie

por rafaela venturim

Essa semana #1: o início

Lisbon, Portugal
Minha terapeuta semana passada me disse que preciso escrever mais, que escrever é importante no processo de se conectar com o que a gente é. A verdade é que ela nem sequer precisava ter me dito isso. Passo tempo de mais escrevendo, pensando e lendo sobre política, por profissão e vocação, e acho que isso me afastou de mim. Não que seja necessariamente ruim, digo, isso da política. Eu hoje me sinto muito mais dona de mim mesma e dos meus pensamentos do que outrora. Gosto que as pessoas me vejam falando do que entendo e gosto que elas confiem no que eu digo. Gosto de sentir que meu limitado conhecimento não fica restrito a mim mesma. Mas às vezes sinto falta de me entender, de me encarar, de me perceber vulnerável. Por ora, este blog vai funcionar como refúgio, e espero que aqui eu possa estar absolutamente despida. Daí a ideia de escrever ao menos um post por semana. 

Pois bem, vamos a isto. 

Eu iniciei este ano jurando que ele seria o meu ano. Pensei em tantas coisas, programei viagens, queria conhecer a Rússia no meu aniversário, queria visitar Roma, encontrar algum amor nas ruas, adotar um animalzinho de estimação, voltar a frequentar a academia. Nada disso se concretizou nem parece sequer próximo de se concretizar. É curioso como as coisas mais corriqueiras hoje parecem tão distantes. Uma academia, veja você, eu não sei quando poderei visitar novamente. Todos os meus planos hoje se resumem a ir num parque qualquer bem aberto, com sol, e ler alguma coisa, conseguir visitar algum canto de estudos e escrever a minha dissertação ou ir à casa da minha amiga para ver seriado sem pausa e comer pão de queijo: tudo isso que, antes, parecia tão banal. 

Na manhã de sexta, ouvi um podcast onde uma brasileira narrava o processo de desconfinamento em Lisboa e, sendo muito franca, sinto receio. Mais do que isso, sinto quase que uma tristeza. Como voltar à vida normal e me despedir dessa vida que, apesar de muito dura e muito cruel, me manteve segura nos últimos quase três meses? Desconfinamento, aliás, é uma palavra que aparece sublinhada de vermelho sempre que a escrevo: talvez não exista. Por Deus, nem sequer deveria ser escrita, porque confinamento já é suficientemente ruim e indescritível, de modo que, penso eu, retira de nós a possibilidade de sequer pensar no que pode vir depois.

Se existe algo que tenho sentido de forma recorrente é luto. Esse luto que caminha comigo não tem nada de bonito, mas muito de honesto, e se desdobra em várias partes. Luto pelos planos que fiz no início do ano, luto pela vida que tinha antes, luto, agora, até mesmo pelo confinamento — sem falar no luto óbvio pelas já incontáveis mortes. Já virou lugar comum eu escrever sobre saudade. Neste momento, a única coisa que me comove é a ideia distante de conseguir passar o Natal com a minha família. Tenho a sensação de que irei quebrar em mil pedacinhos no primeiro abraço que meu pai me der depois disso tudo. Quase consigo sentir o aconchego que sentirei no colo da minha mãe. Conto os dias sem saber quantos dias faltam, mas torcendo muito para que não passem de 25 de dezembro.

Ontem, fui ao parque Eduardo VII e fiquei lá por quase duas horas. Só eu, os pássaros, a grama e o calor do sol. Foi a primeira vez, em quase três meses, em que me senti verdadeiramente viva. Ao mesmo tempo, também o mundo pareceu estranho. Uma sensação de estranheza e de pertencimento. Pertencimento ao que somos juntos, estranheza por precisarmos, agora, redescobrir como nos relacionar. As pessoas usando máscaras no metrô, silenciosamente se afastando umas das outras quando a proximidade é perigosa, silenciosamente sentindo um medo e uma cumplicidade que caminham muito juntas: é este o novo normal. Sentimos medo uns dos outros e do ambiente que nos cerca, mas, quando nossos olhares se cruzam, por mais breve que seja, é como se disséssemos: estou feliz que você está aqui, que eu também estou aqui. Não foi fácil, eu compreendo, eu também estive lá. Mas por agora estamos aqui e vamos encontrar uma solução. Parece bobagem dos poetas de outrora, mas é que o mundo anda meio poético mesmo. Nestes tempos, o mero fato de existir é um baita ato de coragem. Somos todos muito corajosos. Dessa coragem, espero eu que saia algo bom. 


Comentários

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  1. Amiga, fiquei tão feliz quando te vi indo ao parque ontem porque sabia que tu se sentirias exatamente como eu me senti a primeira vez que saí de casa pra dar uma volta. Se sentir viva enquanto tudo ao nosso redor ecoa morte e desesperança é um negócio muito louco, mas essencial pra que a gente se reconecte com o que já foi e possa começar a entender o que ainda vai ser.

    Eu não faço a mínima ideia do que nos aguarda do outro lado dessa pandemia, mas a quase certeza do conforto de um abraço querido em algum momento no futuro me parece algo tangível e realista. Num momento em que certezas e planos soam quase como uma piada de mal gosto e o que sabíamos ontem já não existe mais no dia de hoje, ter a coragem de imaginar um amanhã melhor é corajoso também.

    E já que eu arrumei teus comentários, tá aqui o primeiro desse post. Feliz de estar de volta contigo.

    Te amo!

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  2. Amiga, tu foi a primeira pessoa que falou de algo que eu tenho sentido muito: como se despedir dessa vida que querendo ou não foi nossa segurança. Penso quando a escolinha da Lara voltar e o que eu vou sentir com isso. Com certeza vou entrar em paranoias constantes, vou querer tirar a Lara de lá, vou querer voltar para o confinamento. Desconfinamento pra mim parece agora violento demais. Saí pra ir na praça ontem, e um dia antes também. Tenho saído mais, sempre de máscara, essa coisa estranha toda. Uma hora, de repente, minha máscara escorregou do nariz e eu senti o ar da rua pela primeira vez em meses. Foi tão inesperado, o ar tão puro e diferente que eu quase chorei (to de tpm também, pode ser isso). Achei que ia me sentir livre, mas senti medo. Botei a máscara o mais rápido que pude e fiquei confusa com o que eu senti.
    Esse novo normal não me parece normal ainda. Que processo lento e doloroso, né?
    Eu não tenho data pra voltar pro Brasil. Espero que esse ano ainda, mas não tenho planos concretos. Me agarro na certeza do viver um dia após o outro e só.
    Enfim.
    Que bom te ler de novo!
    Seguimos!

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  3. Oi Rafaela, Me da um abraço?
    Eu também estava me organizando em voltar para a acadêmia e levar os trinos mais a sério... Tenho que terminar de escrever a minha monografia da Pós-graduação e procurar um emprego na minha área. Derrepente a vida parou sem previsão de voltar. Ficar dentro de casa apesar de estar mais prtegido é também bastante cansativo.

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