not your honey pie

por rafaela venturim

No meio de uma pandemia, escrevo




Quando comecei a aprender a escrever, uma das primeiras coisas que minha mãe me deu, junto ao caderno de caligrafia (o qual, admito, não resultou em grande coisa até hoje), foi um diário. Daqueles de criança, com cadeado e tudo. E lá se vão quase vinte anos de escrita. Gosto de pensar que escrevo coisas que algum dia alguém irá ler, por mais narcisista que isso pareça a princípio. A verdade é que, ao escrever, quero contar a um leitor hipotético, e quero contar de tudo, com riqueza de detalhes. As páginas que escrevi já viram muitos amores e amantes, viram tragédias, viram episódios diversos e surpreendentemente bons, viram mortes e também nascimentos, olhos verdes, azuis e castanhos, essas páginas conheceram homens e mulheres que só existem, agora, no que escrevi no papel — de certa forma, essas pessoas só são reais e vivas, hoje, porque eu escrevi sobre elas. Os meus diários viram também, sempre, um amanhã. Já estiveram em Vitória, em Paris, no interior do Espírito Santo, e agora fazem morada em Lisboa. Começo sempre assim: Tal lugar, tal dia. Valter Hugo Mãe disse, em A Desumanização, que escrever é ficar.  Gosto de pensar que é mais que isso: escrever é ficar, sim, mas também é ir além. Se escrevo, é porque acredito que alguém, no futuro, irá ler. Escrever é também um exercício de teimosia, é fincar o pé e dizer: o amanhã virá, sim, se não comigo, ao menos através de mim. Escrever é materializar o futuro.

O que escrevo hoje pode parecer uma distopia, e, ao escrever, quero pensar que sim. Quero que seja só mais uma página de horror dentre tantas outras tão diferentes do que escrevo hoje. Se minhas palavras existem agora, elas só farão sentido no amanhã, em uma outra realidade, para uma outra cabeça, num outro contexto. Por isso é que eu escrevo hoje: porque insisto no amanhã e não cogito sequer a hipótese de ele não vir.

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