not your honey pie

por rafaela venturim

Pastel de nata não é pastel de Belém

Assim que cheguei em Portugal, uma das primeiras coisas que aprendi foi, justamente, que pastel de nata não é pastel de Belém. Ou melhor, todo pastel de Belém é um pastel de nata, mas o de Belém mesmo, só em Belém. Tem que ir até Belém para descobrir a diferença entre os dois, se é que existe uma. Mas não adianta argumentar, fora de Belém "tudo é pastel de nata", disse-me uma amiga. 

A receita é a mesma, leva nata (no Brasil, creme de leite), gemas de ovos, massa folheada, açúcar e umas coisinhas mais. Particularmente gosto de consumir fresquinho, o pastel de nata, com um pouquinho de canela por cima. É uma delícia, principalmente acompanhado de um cafézinho expresso quente, que eles chamam cá de "uma bica". Lembro-me de pedir essa combinação, diversas e diversas vezes, na cantina da faculdade, assim que cheguei em Portugal. 




Naqueles primeiros meses, eu adorava ir para a faculdade. Morava na freguesia de Penha de França, um lugar para o qual muitos portugueses fecham a cara ou olham torto, mas que me acolheu bem demais. Penha de França não tem metrô, portanto, para chegar à faculdade, eu pegava um autocarro (ônibus) e um metro (que aqui se fala "métro", com a pronúncia mais forte do e). Acostumada a sempre ter um carro ao meu dispor, Penha de França foi quando aprendi sobre paciência. 

Eu dividi quarto por mais de cinco meses, naquela altura. Leia bem: dividi quarto. Não tinha opção, era o cenário mais em conta, especialmente levando em consideração que cheguei lá com o dinheiro dos meus pais e não queria ser (mais) sanguessuga. Eu, que sempre tive o meu espaço, as minhas coisas, o meu banheiro, me vi tendo a minha privacidade reduzida, meus hábitos modificados, meu jeito nem sempre sendo compatível ao da minha colega de quarto. Foi quando aprendi sobre fazer o melhor diante das circunstâncias. 

Isso tudo teve início em setembro de 2018. De lá pra cá, algumas coisas mudaram. Eu tive o meu primeiro emprego, que passou longe de ser glamuroso (atendente de call center – vale um texto inteiro, vivo dizendo), passou longe do que idealizei quando garota, mas pagou as contas e me ajudou a trilhar o caminho para a minha atual profissão e, ora, carreira. Hoje sou financeiramente independente, vivo numa suíte, divido a casa com mais quatro e temos nossos altos e baixos. 

Cheguei em Portugal com 24 anos e este ano faço 28. Cheguei com uma mão na frente e outra atrás, como diz minha mãe, mas tem sido uma caminhada e tanta. Sinto que nestes quase três anos existiram uns dez, quinze, só eu sei. Mas este texto não é assim tanto sobre mim e sobre a minha trajetória, é mais sobre um tópico recorrente nas minhas conversas com imigrantes brasileiros: Portugal não é Brasil. País nenhum é Brasil.

E isso pode ser ótimo!

Volta e meia algumas pessoas me perguntam sobre o processo de ir morar fora. Não raras vezes, me perguntam se é possível "manter o mesmo padrão de vida". Partem de um imaginário muito brasileiro, onde você precisa sempre trabalhar muito, para ter muito dinheiro e, talvez, uma vida minimamente digna. Respondo que provavelmente não, mas ainda assim o padrão de vida tende a ser melhor. 

Nem todas essas pessoas estão dispostas a abrir mão do que têm no Brasil, encarar o que elas foram ensinadas a pensar ser um "sub-emprego" (de novo, partem de um imaginário muito brasileiro, onde a desigualdade é abismal e o pobre não é considerado gente), descer do salto e servir pessoas. Nem todas estão dispostas a verdadeiramente abrir mão do carro e andar de transporte público, por melhor que seja. Nem todas não querem viver uma vida de ostentação instagramável. Nem todas, também, têm a paciência necessária para encarar o que é a realidade da maioria das grandes cidades européias e dividir casa até conseguir um apartamento só delas. 

Mais ainda, nem todo mundo está disposto a abraçar as diferenças culturais. Entender que ônibus é autocarro, banheiro é casa de banho, garota é rapariga, menino é puto, e "bom dia" serve para o dia inteiro, ainda que você não necessariamente fale sempre como eles e insista na sua brasilidade, uma belíssima forma de resistência. Muitos escolhem só os lamentos: aqui não tem isso e aquilo, aqui o sabor daquele doce é diferente, no Brasil é tudo melhor. 

Há, em resumo, quem busque Brasil em Portugal. Para elas, talvez valha lembrar que pastel de nata não é pastel de Belém e que, ainda que existam semelhanças, um é mais crocante que o outro, e que isso você só descobre provando. E que talvez essa variação dependa do seu paladar. Talvez você nem a sinta, apesar de saber que os nomes são diferentes. Mas, principalmente, tudo isso você só vai entender se permitindo.

E, para quem eventualmente se pergunta: eu viveria tudo de novo, milhares de vezes. 

*Este é o primeiro texto de uma série (intitulada ora pois) em que pretendo abordar temas sobre minha vida em Portugal. Pretendo, também, falar sobre culinária (e de verdade, agora, rs), sobre pontos turísticos, coisas boas e também ruins, relatos do cotidiano. Espero que venham comigo e gostem.

Comentários

Postar um comentário

Form for Contact Page (Do not remove it)

Nome

E-mail *

Mensagem *